Julho 17, 2020

100 dias depois - como estão as crianças?

100 dias depois - como estão as crianças?

Imaginemos que estamos fazendo uma travessia de barco, em meio a um oceano. Nesse percurso estamos oscilando entre momentos de muitas tempestades e outros, poucos, de calmaria. Dentro de cada barco há um convívio intenso em decorrência do isolamento social, permeado de muitas incertezas e ansiedades que rondam as relações humanas. Cada barco em meio a essa travessia representa uma família e saber lidar com os conflitos que aí surgem, tem sido um desafio diário.

Há mais de 100 dias iniciamos nessa travessia, e é importante pensarmos em como as crianças estão percorrendo esse caminho. Assim como todos, elas estão sentindo os reflexos da pandemia, mas de uma forma particular e, passado esse tempo, podemos perceber reações diferentes desde o início desse contexto. Convidamos vocês a refletir conosco nesse sentido.

Para as crianças esse momento tem acarretado em ganhos e perdas. É inegável que muitas crianças estão felizes de terem mais tempo com as suas famílias. E quem nos disse isso foram as próprias crianças da Baby House em um encontro on-line de turma do Jardim II. De fato, algumas crianças não passavam o tempo que gostariam com suas famílias durante a semana, assim como talvez alguns pais também pudessem compartilhar desse sentimento. Dessa forma, o atual momento pode ser, então, uma oportunidade de encontro. E esse tempo com a família é muito importante para as crianças, até mesmo para a construção de sua personalidade que está em pleno desenvolvimento dos 0 aos 6 anos de idade. Mas para essa construção, também se faz importante estar em outros espaços, como o ambiente escolar, o que por hora está em suspenso.  Além disso, as crianças estão ganhando nessa convivência familiar por poderem participar de rotinas da casa e de seus pais, ajudar a preparar um alimento, organizar seu espaço, entre uma série de outras coisas que antes não tinham a oportunidade de conhecer tão de perto.

Somado a isso, também é importante refletirmos sobre a saúde emocional das crianças. Diante de um momento tão complexo em nível global e também familiar, considerando que cada um vive uma realidade distinta dentro desse barco, temos observado algumas questões comuns nas crianças a partir de observações, trocas e reflexões. Algumas estão mais dependentes dos adultos, fazendo mais birras e até mesmo voltando a fazer coisas que faziam em um tempo anterior do seu desenvolvimento. Não tem sido incomum as crianças voltarem a pedir por objetos que utilizavam quando menores, como um urso, um paninho, um(a) boneco(a), em alguns casos o uso mais frequente do bico, ou mesmo voltar a utilizá-lo, por exemplo. Temos percebido que algumas crianças estão apresentando alguns comportamentos regressivos. O comportamento regressivo corresponde a voltar a usar um recurso emocional que anteriormente era importante, mas que com o crescimento e desenvolvimento de outros recursos emocionais, deixou de ser, não sendo mais necessário. É como uma espécie de “voltar no tempo” com o objetivo de acionar um alerta de cuidado desse ambiente. Os adultos também podem experimentar isso de outras formas, quando por exemplo vive-se uma situação de ansiedade e isso se revela no próprio corpo, com uma dor de barriga. Pode acontece também quando estamos mais chorosos e não conseguimos identificar direito o porquê, pois não costumávamos mais ter essas reações diante uma situação específica. Esse é um alerta que temos que é hora de olharmos para dentro. Essas reações emocionais são esperadas, especialmente nas crianças, diante situações adversas, como essa travessia inusitada que estamos passando.

Nesse sentido, os comportamentos regressivos têm, também, um valor positivo, pois é um alerta de que se precisa de cuidado. Importante entender que não é apenas uma birra da criança e sim uma explosão de sentimentos. Acolher e ajudar a criança a entender seus sentimentos é um caminho importante. E em termos de desenvolvimento infantil, é mais saudável que a criança tenha essas manifestações, do que simplesmente não demonstrar nada, pois esse é um outro sinal de que a criança pode estar guardando suas emoções apenas para si, ou estar apática ao ambiente. É de forma cuidadosa que refletimos nesse aspecto, uma vez que cada criança é única e tem uma forma específica de reagir frente às situações que experiencia. Embora esses comportamentos tenham um valor positivo, ao passo que acionam um cuidado, dependendo de sua intensidade e da forma como se manifesta, pode requerer um auxílio e avaliação mais especializado.

Mas por quê estamos falando disso? Porque o acionamento desses recursos emocionais correspondem, também, às perdas que as crianças estão passando, como uma resposta a toda essa complexa situação. As crianças estão vivendo sentimentos de muitas saudades dos amigos, da interação, aprendizagens, convivências diárias com a Baby House e toda a representação dela em suas vidas, saudades de familiares, dos passeios, entre tantas outras coisas.

Realmente, a Baby House ocupa um lugar singular na vida das crianças. Ao ir para a escola, a criança tem a possibilidade de estar em um contexto que não o familiar, que também é estruturante para sua personalidade, pois vive trocas muito significativas. E nesse momento as crianças não estão tendo essa oportunidade presencialmente.

Diante da importância que entendemos que a Baby House apresenta às crianças, esse segue sendo o momento de permanecer com as crianças, mesmo dentro de suas casas e para que isso ocorra não há uma fórmula. A Baby House tem procurado oferecer às crianças uma individualidade e uma presença em suas vidas que se estrutura em um tempo que concretamente estamos distantes.

Quando enviamos para as crianças envelopes e kits contendo materiais, estes são pensados de acordo com as suas necessidades, seu desenvolvimento e, em uma tentativa de manter a memória afetiva viva nas nossas crianças. Para isso, sabemos que não existe uma forma ideal, muito menos única, mas há algumas formas que seguimos criando na tentativa de manter um espaço na vida das nossas crianças.

Recentemente, tivemos a experiência do drive-thru junino e, de fato, foi possível ver a alegria e o sorriso no rosto de cada criança, demonstrando o quanto somos significativos em suas vidas, como um espaço de acolhimento, afeto, descobertas, explorações e aprendizagens, onde elas seguem sendo as protagonistas e fazendo com que a cada dia nos reinventemos. Ainda nessa tentativa que, desde o início da quarentena, buscamos oferecer (e seguir oferecendo) aqui no nosso blog oferecemos materiais singularizados e pensados em uma perspectiva para que as crianças possam elaborar, criar, investigar, estar perto – mesmo longe. Sabemos que este não é o ideal, afinal trabalhamos com presença. E este tem sido um desafio para todos nós da equipe da Baby House, que seguimos buscando formas.

E o convite é para seguirmos juntos nessa travessia. Ainda não sabemos exatamente o que vem pela frente, mas um pouco da turbulência desse oceano nós já conhecemos. Gostaríamos de continuar recebendo o retorno de vocês sobre o que estamos buscando oferecer e também estamos acolhendo ideias das famílias e das crianças para continuarmos presentes na vida delas.

Nos escrevam!

Um grande abraço.

Equipe Baby House